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NOVAMENTE ABANDONADO

  • Foto do escritor: Patricia pacheco
    Patricia pacheco
  • 23 de jan. de 2021
  • 2 min de leitura

Quando há uma pane nas funções parentais, em que as crianças são abandonadas ou retiradas da família de origem, elas são acolhidas, e colocadas para adoção quando não há nenhuma possibilidade de reintegração à família de origem, seja a básica, seja a extensa.

Essas crianças ficam abrigadas até os 18 anos. E, quando atingem a maioridade, há a suposição jurídica de que alcançaram condições necessárias para cuidar da própria vida. Que, ironia! Isso só existe na escrita burocrática, porque a realidade de uma criança que passou por acolhimento é bem outra.

Quando na rua, estes adolescentes precisam do básico para sobreviver. E a grande maioria não foi minimamente preparada para ser responsável pela própria subsistência.

Além da questão das necessidades básicas, é importante lembrar que estas crianças precisam ser alimentadas também, e principalmente, de atenção e afeto.

Onde e a quem podem pedir socorro, falar sobre suas dores? Quando novamente abandonados, eles se tornam um ser humano reduzido a necessidades essenciais?

Neste momento, em que se infere que ele é um adulto, o adolescente precisa novamente de referências, pois experimenta uma outra "saída de casa". A família que construiu no abrigo se desfaz e junto se vão os laços afetivos.

Para muitos que ali passam, as instituições de abrigamento representam a experiência mais forte e próxima de um laço familiar e do que se pode chamar de "minha casa". Deveriam ser os laços para uma vida toda ou apenas laços de passagem?

Apesar de o abrigamento ter a intenção de acolher, dificilmente esses adolescentes superam o lugar de estrangeiro, de estranho, que os marca.

Exilados das referências de origem, da casa, do que pode lhes dar sustentação, essas pessoas se tornam migrantes na sua própria terra, estrangeiros dentro de casa, representantes do “estranho”, a quem nada e ninguém se dispõe a olhar, muito menos a acolher.

Há no significante “estranho" um fracasso que não queremos enfrentar em nós mesmos, pois nos remete ao fracasso de nossas próprias origens, já que todos experimentamos em algum momento fracassos parentais. Esses adolescentes aludem ao nosso abandono, ao nosso desamparo, ao nosso medo da morte. Portanto, é melhor não nos havermos com isso, não é mesmo?

Muitas vezes o Estado tenta esconder o problema tirando-o das vistas. Mas são pessoas, e não sujeira. São crianças de todas as idades, que foram retiradas de uma situação de abandono, maus tratos, de instabilidade e pobreza e, que, aos dezoito anos, são novamente devolvidas à referida situação.

Tentamos silenciar e esconder quem nos expõe como mortais. Mais ainda, quem expõe os fracassos de nossas tentativas de fazer do ser humano um ser civilizado.

Esses pequenos migrantes cotidianos, que migram de esquina em esquina, de abrigo em abrigo, da casa da mãe, pra a casa da avó, pra a casa da vizinha, pra a casa do tráfico, pra a casa da rua escancaram o que toda sociedade voltada para o sucesso quer abolir do seu cotidiano. Se varrermos para baixo do tapete o que acontece com um enorme número de crianças, isso irá retornar, em algum momento, na nossa vida de modo estranhamente familiar.


O risco da morte simbólica precisa estar sempre presente. E a escuta dessas crianças e adolescentes, sem idealização ou assistencialismo, permite a reconstrução da história de cada um, sempre singular.

 
 
 

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